terça-feira, 10 de novembro de 2009

Para Clarice

Uma galinha tem, encrustado em sua cabeça seca, o olhar pasmo de quem não sente medo porque não entende.(Tenho me sentido com cara de galinha ultimamente.)

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Violência poética

Sonhei que
versos apoderavam-se de mim,
retiravam-me da cama e
arrastavam-me escadaria
abaixo.
Era uma
multidão de versos
fortes que se enfiavam
através de minhas
pálpebras enquanto
carregavam-me
para longe.

(Eu sangrava)

domingo, 13 de setembro de 2009

Explicamento

Porque o meu corpo
é, todo ele, uma
indagação,
eu acordo e
me abro em questões.

O sol me toca e
eu floresço em perguntas,
brotando como espinhos
que arranham o vento.

Sou uma interrogação
que se arranha -
Sem resposta.

sábado, 29 de agosto de 2009

O Pica-vidro

Cativa de meus paradoxos
surrealistas,

acordo de manhã
com um Pica-pau picando
o vidro reluzente de minha janela.

Vai ver o bicho é
um passarinho high tech:
cansou da madeira,
quer tremeluzir
no mundo sintético.

Transmutou-se em Pica-vidro.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Blefe

Finjo que faço, finjo que sou.

Descarada,
me disfarço com a cara dos outros.

(Estou enovelada na tríade do verso,
inverso, reverso).

O cansaço
comeu todas as minhas cosmogonias.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Aniversário num bar:

E eu tentava colocar a minha máscara de 'estou sendo simpática', mas ela escorregava e caía do meu rosto o tempo inteiro sem que eu pudesse fazer nada para segurá-la. Uma hora saiu do lugar bruscamente e espatifou-se no chão, felizmente sem nenhum estrondo, de maneira bastante discreta. Encontrei-me totalmente embaraçada, nua, com cara de nada. Sem saber qual máscara colocar no lugar peguei a primeira que me apareceu, e pendurei no rosto a minha cara feia de 'quero ir embora'. Era a melhor saída, fugir dali e esconder bem depressa o meu vazio.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Pseudosinestesia

Quero beber a eternidade em um copo de cristal
que se partirá em minhas mãos
desfazendo-se em milhares de cacos
cortantes.
O sangue que escorrer das minhas feridas profundas
eu o beberei também,
sorverei com a sede de sete dias
o sangue de aço sabor ferrugem.
Quero beber a claridade do dia,
esta que vem descendo deslizantemente
como lâmina.
Ela atravessará meu corpo ao meio
partindo-me em duas metades gêmeas,
condizentes. A luz é dura.
Quero beber a noite, as nuvens negras,
ser engolfada pela escuridão
e beber até a embriaguez, até o afogamento
em mim mesma. No universo.
E quando eu finalmente puder
beber da açucarada calda de um cometa,
serei arrastada para fora do planeta
e beberei diretamente do sol.

terça-feira, 31 de março de 2009

Lagridor

A dor cresce,
aperta-me o estômago
e fere os pulmões,
sufocando-me covardemente.
Sobe à garganta,
as paredes se contraem
forte e maldosamente.
Engasgo
com o pouco de saliva restante
em minha boca
ressequida.
A dor faz com que
meu rosto inteiro queime,
como se por baixo da pele existisse
fina camada incandescente.
Minha cabeça cresce como se
necessitasse explodir,
como se a testa estivesse a ponto de
ser arremessada a metros,
muitos metros de distância.
- As têmporas latejam
lamentavelmente -
A dor é senhora de mim,
habita o fundo dos meus olhos
que agora ardem desmedidamente
e então ela brota,
flui através deles,
pesada,
salgada,
escorre morna pela minha face
e retorna ao meu corpo
me afogando.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Poeira de Estrelas

Em uma trilha tortuosa,
caminho sobre folhas secas:
Os estalos de seus talos
ressequidos
vibram em minhas artérias.
O amarelo brilhante do sol
a pino
desvia-se dos galhos
multicoloridos das árvores,
resvala-se no vento
(Luta entre luz e som)
e ataca sutilmente
meu rosto frágil.
Luz dourada e portadora
de gotículas de poeira,
me atinge, me aquece
e brilho com ela.
E sou tão colorida
quanto as árvores.


***

Em uma trilha tortuosa,
respirando devagar para
não assustar as borboletas.
Que volteiam delicadamente
ao meu redor,
com suas asinhas de
papel de seda.
Os barulhos que me amedrontam
São os mesmos que me
impelem.
Sempre em frente,
mais a fundo,
afundo na trilha. Nas folhas.
Na secura.


***

Em uma trilha
tortuosíssima,
sinto o cheiro de terra,
a poeira marrom me cobre
de uma camada fina.
Tenho a idade das esfinges,
coberta de pó.

(De cobre)
Coberta de nada.
Eu mergulho da terra da trilha,
mergulho em mim.
Sou a terra, o mergulho,
sou a trilha, sou eu.
Submerjo, embrenho-me
na trilha-eu,
na poeira castanha,
com meus cabelos castanhos.


***

Em minha trilha
quando chove, venta.
Raios oblíquos
arrebentam-se no céu
mas não os vejo.
Apenas posso adivinhá-los
por sobre as copas das árvores,
através dos espaços
entre as folhas úmidas.
Não temo as tempestades,
visto que trovejo
e choro
e molho.
Só tenho medo
do assovio do vento
que circula o mundo e vem
bater de encontro à minha nuca.


***

E nas noites de céu limpo,
em minha trilha
sem nuvens,
esforço-me para enxergar
a purpurina lá em cima.
Pontos brilhantes que
lembram
gotas d'água,
água de orvalho.
Quero bebê-las,
desejo bebê-las todas,
essas gotas de estrelas,
esses pontos líquidos,
fixos no infinito.
Sorvê-las em uma taça
reluzente de cristal cor-de-rosa.
Sim, o que almejo
é beber estrelas.